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Informativo

10 Jul 2024

A transição injusta no banco dos réus: comunidades e trabalhadores litigam para influenciar a prática das empresas

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BHRRC

Nenhuma pressa é demais quando se trata de conter a crise climática. Para que exista um sistema energético totalmente descarbonizado até 2050, é necessário ampliar a níveis nunca vistos os projetos de energias renováveis, sustentados por uma extração recorde dos minerais de transição necessários para fabricar e operar novos parques solares e eólicos, baterias para veículos elétricos e a eletrificação generalizada em todo o mundo – mesmo com a adoção de políticas fundamentais para conter a demanda por novas minas. Já há investimentos pesados na transição, com a estratégia verde da indústria e o setor privado cumprindo papéis fundamentais na passagem para a energia limpa em nível global. A velocidade da transição no mundo vai depender dos fluxos de investimento e da manutenção da confiança pública para evitar resistências e atrasos. Mesmo assim, a preocupante tendência ao abuso sistêmico das comunidades e dos trabalhadores nas cadeias de valor das energias renováveis ​​deu origem a uma onda de litígios estratégicos por parte desses atores, que não tiveram opção senão recorrer aos tribunais para defender seus direitos. Essas ações judiciais contra empresas de energia renovável e exploração de minerais de transição causam atrasos nos projetos, geram decisões judiciais determinando suspensão e aumentam os custos – riscos que as empresas e os investidores podem e devem evitar por meio de uma devida diligência firme em direitos humanos e de uma melhor concepção dos projetos.

A nova Ferramenta de Rastreamento de Litígios da Transição Justa do Business & Human Rights Resource Centre (o Centro de Informações sobre Empresas e Direitos Humanos) documentou 60 ações judiciais movidas em todo o mundo por Povos Indígenas e outras comunidades, e trabalhadores e seus representantes diretamente afetados por danos aos direitos humanos associados ao crescimento da cadeia de valor das energias renováveis. Juntos, esses casos mostram um quadro claro da crescente recusa dos detentores de direitos a aceitar essas violações como um custo inevitável da transição mundial. As ações movidas contra o setor privado e/ou Estados na exploração de minerais de transição e três setores de energia renovável (solar, eólico e hidrelétrico) questionam um amplo leque de danos, incluindo abusos ambientais (77% das ações rastreadas), poluição da água e/ou acesso à água (80%) e abuso dos direitos dos Povos Indígenas (55%), principalmente o direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI – 35% das ações). Como indicadores de alguns dos riscos mais importante aos direitos humanos associados à transição, a prevalência desse tipo de ação deveria servir de alerta para empresas e investidores, não só porque representa uma ameaça ao objetivo de uma transição energética justa, mas também porque esses costumam ser os problemas ignorados com frequência à medida que os processos de licenciamento são acelerados em todo o mundo. Litígios caros e demorados podem consumir rapidamente os benefícios desses atalhos.

Em resumo

60

ações judiciais

foram movidas por pessoas diretamente afetadas por danos aos direitos humanos associados à cadeia de valor das energias renováveis

66%

das ações

estavam relacionadas à extração de minerais de transição

Mais de 50%

das ações

estavam relacionadas a abusos dos direitos dos Povos Indígenas

4 em cada 5

ações

buscavam ou buscam suspender o projeto em questão de forma permanente ou temporária

Outras constatações importantes incluem:

  • Das ações rastreadas, 73% foram ajuizadas desde 2018, indicando um aumento nesse tipo de litígio à medida que a transição energética foi ganhando força.
  • Essa é uma tendência global: a maioria das ações foi ajuizada na América Latina (35), seguida pela América do Norte (9), com o restante na África, na região da Ásia-Pacífico, na Europa e no Caribe (16).
  • Mais de metade das ações foram ajuizadas por Povos Indígenas, principalmente na América Latina, mas também nos Estados Unidos, na Noruega, no Quênia e em Taiwan, contestando uma série de abusos dos direitos humanos.
  • As comunidades estão começando a exigir mais do desenvolvimento de projetos de transição energética que sejam localizados em suas terras e tenham impacto em suas vidas, por meio de acordos de compartilhamento de benefícios que lhes deem poder de decisão, benefícios e ganhos financeiros.
  • Embora a maioria dos processos tenha sido movida contra empresas de exploração de minerais de transição, as ações contra os setores eólico (9), hidrelétrico (9) e solar (2) estão aumentando, o que aponta para a necessidade urgente de operações mais voltadas aos direitos em toda a cadeia de valor das energias renováveis.

As empresas acusadas de violar os direitos dos povos indígenas, das comunidades e dos trabalhadores ao longo da cadeia de valor das energias renováveis enfrentam atrasos dispendiosos, danos à reputação e consequências jurídicas. As pesquisas iniciais revelam que isso inclui multas, pesadas indenizações e decisões judiciais obrigando a estabelecer fundos de reserva para danos. Porém, ainda mais problemática para a transição como um todo é a tendência a decisões que suspendem os projetos. Quase 80% das ações atualmente incluídas na Ferramenta de Rastreamento buscaram ou buscam suspender os projetos em questão de forma permanente ou temporária como consequência de alegações de abusos de direitos humanos e ambientais, principalmente nos casos em que as empresas não consultaram adequadamente as comunidades onde os projetos aconteceriam. Embora procurem questionar a injusta “distribuição dos benefícios e dos ônus” da transição – e não impedi-la – essas ações também deixam claro que o flagrante desrespeito pelos direitos humanos das comunidades onde os projetos acontecem e das de linha da frente pode levar precisamente a esse desfecho. Somente nos últimos oito anos, a mina de cobre Cobre Panama, da First Quantum, o parque solar da Shengli Energy, em Taiwan, a mina de níquel Onça Puma, da Vale, no Brasil, o parque eólico Gunaa Sicarú, da CFE, no México, a mina de bauxita Noranda (licenciada para Noranda Jamaica Bauxite Partners, Noranda Jamaica Partners II e New Day Aluminum Ltd), na Jamaica, e vários projetos nos Estados Unidos – incluindo o Osage Wind Farm, da Enel, e a mina de cobre Rosemont, da Hudbay Minerals – foram alvo de decisões provisórias ou definitivas para interromper as operações devido a questionamentos jurídicos com foco em abusos de direitos humanos.

Para além dos atrasos nos projetos e das implicações para o retorno pago aos acionistas, esses desfechos judiciais podem representar uma ameaça à velocidade da transição como um todo, à medida que as ações se acumulam. Esse é um resultado que o mundo não pode se permitir, mas também não é inevitável. Os avanços em matéria de devida diligência obrigatória em todo o mundo estão exigindo que as empresas se apressem para fazer mais com relação a direitos ambientais e humanos, enquanto regulamentações setoriais que priorizam os direitos das comunidades de linha da frente na transição também estão se consolidando em Serra Leoa, no Quênia e no México, além de Canadá e Nova Zelândia, onde a lei já reconhece o consentimento das comunidades como pré-requisito para a concessão de licenças em determinadas circunstâncias. O risco de as empresas serem responsabilizadas por descumprir essas exigências legais só tende a aumentar.

Essas tendências legislativas e jurídicas deveriam estar modificando as discussões sobre riscos e modelos de negócio nas salas de reuniões das empresas que exploram minerais de transição e energias renováveis em todo o mundo.

O exame e a implementação adequados das responsabilidades fundamentais em matéria de direitos humanos por parte das empresas, desde as fases iniciais de qualquer projeto, oferecem uma poderosa proteção contra conflitos com comunidades e trabalhadores e contra processos judiciais dispendiosos e morosos. Também podem dar contribuições importantes para construir confiança pública na transição global às energias renováveis, provavelmente ao mesmo tempo em que salvaguardam os resultados dessas batalhas nos tribunais. A crescente onda de litígios deixa claro que é cada vez mais inegociável a adoção de novos modelos de desenvolvimento de projetos, que deem aos direitos, interesses e ambições das comunidades onde os projetos acontecem a mesma importância dos interesses empresariais, e que qualquer transição energética justa deve ser baseada diretamente em um compromisso do setor privado com a prosperidade compartilhada, as negociações justas e o dever de zelar pelos direitos humanos e ambientais de quem é diretamente afetado pela mudança.

Recomendações para empresas e investidores

Empresas

Prosperidade compartilhada

  • Elaborar e implementar projetos para proporcionar benefícios compartilhados e evitar danos aos direitos, por exemplo, por meio de modelos de projetos de prosperidade compartilhada cuja deliberação cuidadosa envolva todos os membros das comunidades afetadas e o CLPI de Povos Indígenas, respeitando valores, necessidades e aspirações de comunidades e trabalhadores.

O dever das empresas de zelar pelos direitos humanos

  • Implementar uma devida diligência firme em matéria de direitos humanos e ambientais ao longo de toda a cadeia de valor; garantir a plena aplicação das políticas de direitos humanos em nível operacional, incluindo aquelas voltadas às pessoas defensoras dos direitos humanos (DDHs), e se comprometer com a tolerância zero em relação a represálias contra essas pessoas, e assegurar o acesso a reparação quando as empresas tiverem contribuído ou causado danos aos direitos humanos. Apoiar publicamente a legislação atual e em desenvolvimento em matéria de direitos humanos e devida diligência ambiental e responsabilidade empresarial.
  • As empresas de energias renováveis ​​devem adotar um compromisso público com o fornecimento responsável de minerais e trabalhar com o setor de mineração no início da cadeia.

Negociações justas

  • Garantir que o envolvimento e as consultas de boa-fé com as partes afetadas contribuam para cada etapa do processo de devida diligência em direitos humanos, começando na fase mais inicial possível do projeto; implementar processos permanentes de envolvimento; garantir que os Povos Indígenas possam definir a forma como a sua consulta livre prévia e informada será realizada.

Investidores

  • Os investidores devem adotar políticas de gestão e de investimento responsável, e trabalhar com os beneficiários dos investimentos nos setores de mineração e energias renováveis ​​para preencher quaisquer deficiências em políticas e práticas de direitos humanos.
Speaker: Ubrei Joe Maimoni, Friends of the Earth Nigeria/Africa, at COP28 in Dubai 2023

Introdução

Nunca foram tão claros o enorme desafio – e a oportunidade – representados pela transição energética global. No mínimo, a Agência Internacional de Energia (AIE) estima um aumento de seis vezes na demanda por minerais até 2040 para tecnologias de energia renovável, baterias para veículos elétricos e eletrificação geral, enquanto a capacidade instalada de produção de eletricidade baseada em energias renováveis ​​precisa triplicar nos próximos seis anos se quisermos ter esperança de atingir emissão líquida zero até meados do século. A AIE também estima que o investimento anual em energia limpa precisará aumentar sete vezes, para aproximadamente 4 biliões de dólares, até 2030.

Chegar a esses resultados representará enormes benefícios para o mundo, principalmente para as populações mais vulneráveis ​​aos impactos da crise climática, mas também demandará muito das comunidades de linha da frente, dos Povos Indígenas e dos trabalhadores. Exigirá a utilização de vastas extensões de terra intocada para instalações solares e parques eólicos, um enorme aumento na exploração de minerais de transição (50% dos quais estão localizados em terras de povos indígenas ou pequenos agricultores) e uma grande mudança global na mão de obra atualmente empregada na indústria de combustíveis fósseis – 32 milhões de pessoas. Portanto, o espaço para violações dos direitos humanos ao longo da cadeia de valor das energias renováveis também está aumentando, assim como o desgaste da confiança pública nessa transformação. A investigação sobre as políticas e as práticas de direitos humanos dos setores de energias renováveis​​ e minerais de transição destaca cada vez mais o risco de essas indústrias repetirem padrões de abuso endêmicos aos setores extrativistas tradicionais, como relocações ilegais, destruição ambiental e danos culturais, entre outros abusos. Assim sendo, a desconfiança coletiva e a resistência dos detentores de direitos a uma “transição injusta” também estão aumentando, com atrasos nos projetos e potenciais consequências concretas para a velocidade da transição, que o mundo não pode se permitir.

Nossa pesquisa demonstra a realidade desse risco. A nova Ferramenta de Rastreamento de Litígios da Transição Justa documenta um novo subconjunto importante de litígios de justiça climática voltado a garantir uma transição às energias renováveis que seja justa e equitativa. Geralmente ajuizadas por Povos Indígenas ou outras comunidades de linha da frente, ou ainda por trabalhadores afetados, as ações usam argumentos de direitos humanos para avaliar a “distribuição de benefícios e ônus” da transição dos combustíveis fósseis para a emissão líquida zero. É importante ressaltar que os casos não visam parar a transição, e sim influenciar a forma como ela ocorre na perspectiva dos próprios detentores de direitos.

No lançamento, a Ferramenta de Rastreamento apresenta 60 ações desse tipo ajuizadas durante o período de 2011 a 2024 em jurisdições de todo o mundo. Considerando-se o papel central do setor privado na transição, a nossa investigação trata exclusivamente de ações movidas contra empresas de energias renováveis (solar, eólica e hidrelétrica) e mineradoras voltadas a minerais de transição (exploração de recursos como bauxita, cobre, cobalto, lítio, manganês, níquel e zinco). Veja a metodologia completa aqui.

O conjunto das ações mostram um quadro preocupante: elas dizem respeito a processos de consulta deficientes, casos de desrespeito ao direito dos Povos Indígenas a Consulta Livre Prévia e Informada (CLPI) e violações dos direitos a um ambiente saudável e água potável, e saúde pessoal – com todas as consequências desses abusos. Embora os obstáculos ao acesso à justiça continuem significativos para esses trabalhadores, Povos Indígenas e outras comunidades de linha da frente, a Ferramenta de Rastreamento destaca a necessidade cada vez maior que os detentores de direitos têm de recorrer aos tribunais para fazer valer seus direitos na transição energética, quando outros esforços forem em vão.

Essa tendência também ocorre no contexto da dinâmica legislativa em torno dos direitos humanos e da devida diligência ambiental, bem como da regulamentação setorial, principalmente no Sul Global, onde estão muitos dos recursos minerais de transição e do potencial de energia renovável do mundo, priorizando cada vez mais os direitos das comunidades afetadas. Um exemplo disso é o crescimento considerável da legislação que protege o consentimento das comunidades e as negociações justas. Entre os exemplos, uma lei de 2022 para o setor de minerais de Serra Leoa, que exige o consentimento explícito das comunidades antes do início das operações de mineração e dá direitos iguais às mulheres sobre a terra. No Quênia, uma lei de 2016 exige o consentimento das comunidades antes de qualquer venda de terras, para prevenir a corrupção. Ela tem sido usada por ativistas do Lago Turkana que lutam contra a aquisição das suas terras para um projeto de energia eólica. No México, emendas de 2023 à Lei de Mineração tornam o CLPI dos Povos Indígenas afetados por projetos um pré-requisito para a concessão de licenças.

O cenário da legislação obrigatória em direitos humanos e devida diligência ambiental (mHREDD, na sigla em inglês), em rápida evolução, reforça futuras operações de mineração e energias renováveis ​​mais centradas nos direitos humanos, com destaque para a recente aprovação da Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa da União Europeia. Outros avanços importantes no mHREDD incluem novos marcos jurídicos na França e na Alemanha, e estão sendo elaborados em outros países, como Brasil, México e Coreia do Sul.

Análise

Análise de direitos: mesmos danos, setores diferentes

Em resumo

3 em cada 4

ações

estão relacionadas a abusos dos direitos a um ambiente limpo, saudável e sustentável

4 em cada 5

ações

estão relacionadas à poluição da água e/ou falta de acesso à água

35%

das ações

estão relacionadas a abuso do direito ao consentimento livre, prévio e informado (CLPI)

45%

das ações

foram ajuizadas devido aos impactos dos projetos sobre os meios de subsistência das comunidades

As violações dos direitos humanos em toda a cadeia de valor das energias renováveis costumam ter impactos amplos nas vidas e nos meios de subsistência dos detentores de direitos, para além do fato inicial dos danos propriamente ditos.

Por exemplo, a maioria das ações incluídas atualmente na Ferramenta de Rastreamento diz respeito a impactos ambientais negativos. Três quartos (77%) estão relacionados a direitos a um ambiente limpo, saudável e sustentável, enquanto quatro em cada cinco (80%) têm como foco a poluição da água e/ou falta de acesso à água. Em 2022, a Assembleia Geral da ONU reconheceu a profunda interligação entre o meio ambiente e os direitos humanos mais tradicionais ao reconhecer que viver em um ambiente limpo e saudável é um direito humano fundamental. A predominância de abusos de direitos ambientais e hídricos na Ferramenta de Rastreamento provavelmente indica abusos de outros direitos substanciais para as comunidades que os vivenciam.

O segundo maior grupo de ações diz respeito aos direitos dos Povos Indígenas, incluindo o CLPI (35%), demonstrando os riscos reais que a transição representa para esses povos.

Além disso, nossa análise revela que quase metade (45%) das ações que constam da Ferramenta de Rastreamento se devem a impactos dos projetos sobre os meios de subsistência das comunidades, destacando os efeitos mais amplos de alguns projetos da transição. Cerca de 32% dos processos judiciais incluídos na Ferramenta de Rastreamento estão ligados a direitos fundiários e 45%, ao impacto dos projetos sobre áreas importantes ​​ou protegidas, como terras sagradas dos Povos Indígenas ou parques nacionais. Um número menor (20%) também alega violações do direito à saúde de comunidades próximas.

Os danos envolvidos nas ações de toda a cadeia de valor das energias renováveis ​​também são quase idênticos, destacando os pontos em comum relacionadas à vulnerabilidade das comunidades e dos trabalhadores da linha da frente, independentemente do impacto da transição para a energia limpa em suas vidas quotidianas. Embora, historicamente, os projetos de mineração tenham sido objeto de mais contestações judiciais, à medida que avança a implantação de instalações de energia renovável, a expectativa é que os litígios aumentem nesses setores.

O setor de minerais de transição

Com 67% de todos os processos registrados na Ferramenta de Rastreamento, o setor de mineração continua a ter, de longe, o maior número de ações alegando prejuízos aos direitos humanos em nível mundial.

Dessas ações, 83% dizem respeito a impactos sobre o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável. Isso não surpreende, já que o setor mineiro gera preocupações ambientais que vão desde perturbações físicas na paisagem até contaminação do solo, da água e do ar, bem como questões de segurança pública, e metade das alegações que constam de nosso Rastreador de Minerais de Transição de 2024 estão relacionadas a impactos ambientais. A ação judicial movida em 2015, no México, contra a mina Buenavista del Cobre (parte do Grupo México) ilustra a gravidade dos impactos que podem estar associados a projetos envolvendo minerais de transição. Após um vazamento tóxico de produtos químicos da mina nos rios locais, as comunidades afetadas moveram ações por danos à saúde, perda de gado e colheitas, e restrição do acesso à água potável. A empresa foi condenada a pagar diversas multas e foi criado um fundo de reserva para cobrir os custos de projetos de reparação ambiental e agrícola e compensar danos econômicos e problemas de saúde.

Em outro caso emblemático, agricultoras da Indonésia ajuizaram uma ação contra o Estado, contestando a licença ambiental da mina de zinco da Dairi Prima Mineral. Há muito tempo elas levantavam preocupações sobre o impacto do projeto em seus meios de subsistência e o risco de falha estrutural da bacia de rejeitos planejada para a mina, que armazenaria resíduos tóxicos provenientes das atividades de mineração. Em julho de 2023, a Justiça determinou a cassação da licença ambiental do projeto.

Carolina Soto Ramos, Shutterstock (licensed)

Shutterstock (purchased)

O setor hidrelétrico

As ações contra o setor hidrelétrico representam 15% das que estão incluídas na Ferramenta de Rastreamento.

Quase 80% dessas questões estavam relacionadas a impactos sobre o acesso aos direitos à água. As usinas hidrelétricas costumam precisar de grandes reservatórios para proporcionar um fluxo constante de água, o que pode mudar drasticamente e degradar a paisagem e os rios onde elas são construídas – gerando preocupações sobre caracterizar essas instalações de energia como “verdes” ou “limpas”. Na Guatemala, a comunidade maia Q’eqchi ajuizou uma ação alegando que a construção das duas barragens da Oxec violaria os seus direitos à vida, à saúde, ao meio ambiente e ao acesso à água. A Corte Suprema de Justiça ordenou a realização de um processo de consulta à comunidade antes de os projetos poderem prosseguir. Da mesma forma, na Albânia, residentes locais e uma ONG solicitaram à Justiça que suspendesse os trabalhos em duas centrais hidrelétricas operadas pela Gener 2 e pela Dragobia Energy. Eles argumentaram que os projetos poderiam causar danos ao ambiente no Parque Nacional do Vale de Valbona e ter um impacto negativo nos seus meios de subsistência, e que a concessão das licenças não se deu dentro da lei. O Tribunal Superior suspendeu a construção das duas hidrelétricas.

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Os setores eólico e solar

Os parques eólicos (15% das ações monitoradas) e solares (3%) demandam pelo menos dez vezes mais espaço por unidade de energia do que a produção de energia baseada em combustíveis fósseis.

Portanto, as violações dos direitos fundiários constituem um sério risco para esses setores, que deverão representar 85% da nova produção instalada de eletricidade com base em energias renováveis ​​até 2030. O caso da Electricité de France (EDF), no México, é um exemplo desses desafios. Em 2020, a comunidade indígena zapoteca de Unión Hidalgo, apoiada por duas ONGs, entrou com uma ação contra a EDF com base na Lei Francesa do Dever de Vigilância, afirmando que a empresa não tomou medidas adequadas para prevenir violações dos direitos humanos e danos ambientais em seu projeto do parque eólico Gunaa Sicarú, incluindo a consulta efetiva à comunidade zapoteca, desrespeitando seu direito ao CLPI. A EDF refutou as alegações.

No Quênia, as comunidades locais que processaram a Lake Turkana Wind Power e vários órgãos de governo pela falta de CLPI e de compensação adequada pela aquisição de terras ganharam a ação. Em outubro de 2021, o tribunal decidiu que os títulos de propriedade haviam sido obtidos de forma irregular, e eles foram anulados posteriormente. Por fim, em Portugal, moradores entraram com uma ação para impedir um projeto de parque solar da Neoen, de 96 hectares, devido a preocupações ambientais e de saúde, além de alegar falta de envolvimento da comunidade, mesmo que esta apoie o desenvolvimento de fontes de energia renováveis.

Maurizio Di Pietro / Climate Visuals Countdown

Shutterstock (purchased)

Análise das partes interessadas: os povos Indígenas na vanguarda

Os litígios relacionados à transição justa são, em grande parte, liderados pelas comunidades. Quase 40% das ações judiciais constantes da Ferramenta de Rastreamento foram ajuizadas por comunidades de linha da frente que procuravam proteger seus direitos, embora muitas expressem apoio à transição energética propriamente dita em nível global. Algumas dessas ações também foram apoiadas por outras partes interessadas, como ONGs, em nome dos detentores de direitos (45%) ou de entidades públicas (18%). É importante ressaltar que mais da metade das ações (52%) foram movidas por Povos Indígenas, destacando o papel crítico que eles cumprem na transição energética e os riscos significativos que estão enfrentando como resultado disso. Os Povos Indígenas fazem a gestão de mais de 20% da superfície terrestre do planeta e de 80% da sua biodiversidade, e 50% dos minerais de transição energética estão localizados em terras desses povos Indígenas ou de pequenos agricultores. A análise da nossa atualização do Rastreador de Minerais de Transição de 2024 também confirma que os Povos Indígenas continuam sendo desproporcionalmente afetados pelas operações de exploração de minerais de transição. As ações envolvendo direitos dos Povos Indígenas foram movidas predominantemente na América Latina, mas também identificamos algumas nos Estados Unidos, na Noruega, no Quênia e em Taiwan.

Os Povos Indígenas que movem ações na justiça costumam defender a preservação do seu ambiente e a proteção dos seus direitos à terra, incluindo, quando for o caso, o CLPI, em conformidade com o artigo 5º da Convenção 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais (7 ações).


Um panorama mundial das ações na justiça lideradas por indígenas contra abusos de direitos na transição energética

  • Nos Estados Unidos, a nação indígena Osage e o Estado entraram com uma ação contra um parque eólico de propriedade da Enel Energy e da Osage Wind. Após longos trâmites, a vara distrital de Oklahoma ordenou a remoção de 84 turbinas do Parque Eólico da Osage para proteger a soberania da nação Osage. A Enel Energy anunciou que pretende recorrer da decisão.
  • Na Guatemala, a comunidade maia Q’eqchi’ Agua Caliente ajuizou uma ação contra o projeto da mina de níquel Fenix ​​(de propriedade da Guatemala Nickel, uma subsidiária da Solway). A ação foi levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que decidiu em favor da comunidade indígena, concluindo que o Estado guatemalteco não lhe fez as devidas consultas prévias sobre um projeto de mineração que afetava seu território.
  • No Brasil, uma decisão judicial de 2018 condenou a gigante mineradora Vale a pagar 26,8 milhões de dólares a duas tribos indígenas por danos relacionados à contaminação de rios e problemas de saúde pública causados ​​pelas atividades de extração de níquel da empresa no estado do Pará, no norte do país. Além disso, a Vale teve que suspender as operações em sua mina de níquel Onça Puma, em operação há uma década, enquanto não cumprir critérios ambientais especificados e elaborar planos para mitigar e compensar os danos causados aos povos indígenas Xikrin e Kayapó.
  • No Quênia, as comunidades indígenas do distrito de Marsabit contestaram a aquisição de terras em sua região pela empresa Lake Turkana Wind Power Limited. O Tribunal Ambiental e Fundiário decidiu em favor das comunidades, sustentando que os devidos trâmites legais e constitucionais não foram seguidos ao se fazer a reserva da terra para o projeto.
  • Em Taiwan, os Povos Indígenas da comunidade de Katatipul afirmam que não foram devidamente consultados sobre a instalação do projeto de parque solar da Shengli Energy em suas terras. Em 2020, eles entraram com uma ação alegando que a licença para a construção era inválida devido a supostos erros procedimentais durante a votação na assembleia tribal e pedindo a suspenção da obra. Um tribunal administrativo decidiu que a licença preparatória deveria ser temporariamente suspensa. Em 2022, o Tribunal Administrativo Superior de Taipei decidiu que a licença para a construção do parque solar da Shengli Energy deveria ser revogada pelo Ministério dos Assuntos Econômicos.


No entanto, ao tentar defender seus direitos, os Povos Indígenas costumam enfrentar retaliações por parte de atores estatais e não estatais sob a forma de ameaças, violência, assassinatos, assédio judicial e outros tipos de ataques, conforme amplamente documentado pelo Centro de Recursos. Uma em cada quatro alegações que constam do Rastreador de Minerais de Transição de 2024 se refere a ataque contra pessoas defensoras dos direitos humanos (DDHs), incluindo 14 ataques contra DDHs que trabalhavam com minerais de transição na América Latina e na Indonésia no ano passado. Em 2023, 78% dos ataques contra pessoas defensoras dos direitos humanos registrados na análise anual do Centro de Recursos visaram pessoas defensoras do clima, da terra e do meio ambiente.

Sete ações que estão na Ferramenta de Rastreamento dizem respeito a casos de protestos de comunidades, greves ou bloqueios que, em alguns casos, enfrentaram violência. Em um processo movido no Reino Unido por Povos Indígenas peruanos contra a mineradora Xstrata, os requerentes alegam que a empresa deu apoio financeiro à polícia peruana, bem como ajuda logística, equipamento e veículos, incentivando-a a usar força excessiva contra manifestantes da mina Tintaya. Eles afirmam que a empresa não implementou medidas adequadas para prevenir a violação dos direitos humanos dos manifestantes. Dois foram mortos e muitos outros ficaram gravemente feridos e foram detidos pela polícia. A Xstrata nega as acusações e afirmou que “a proteção [por parte da polícia peruana] era necessária…”. A ação está em tramitação.

Os riscos que as pessoas defensoras dos direitos humanos enfrentam ao mover uma ação judicial contra projetos de transição são cada vez mais claros, como refletido nesses casos. Uma dessas questões dizia respeito a Berta Cáceres, ativista hondurenha do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas premiada internacionalmente, que foi assassinada após se opor à hidrelétrica Agua Zarca, da DESA. Em 2018, a família de Berta, com o apoio de uma ONG, entrou com uma ação cível contra o banco holandês de desenvolvimento empresarial FMO. A ação argumentava que o assassinato de Berta Cáceres e outros atos de violência contra a comunidade eram uma consequência previsível e esperada do financiamento da hidrelétrica pelo banco. Foi divulgado que o FMO estava buscando um acordo nesse caso. Em 2022, um ação penal foi proposta ao Gabinete do Procurador-Geral holandês.

IPRI / BHRRC / REP

Análise regional: Violações dos direitos humanos e a transição energética no mundo

A distribuição geográfica das ações judiciais incluídas na Ferramenta de Rastreamento destaca a natureza global da própria transição às energias renováveis, o alcance de seus impactos potenciais e a crescente resistência a uma transição injusta.

América Latina

O maior número de ações (58% das rastreadas) foi ajuizado na América Latina, onde também há algumas das mais fortes resistências de comunidades a abusos dos direitos humanos associados principalmente à exploração de minerais de transição. A mina de cobre Las Bambas, do Minerals and Mining Group (MMG), no Peru, é representativa, tendo sido descrita como em constante “estado de conflito” em função de alegações das comunidades sobre danos ao meio ambiente e aos direitos humanos, incluindo relocação forçada, repressão violenta a Povos Indígenas e comunidades de agricultores que protestam contra a mina, bem como assassinatos e prisões. Supostamente, foram perdidos centenas de dias de transporte e houve custos associados de 9,5 milhões de dólares por dia, além de uma ação judicial ainda em andamento, movida por Povos Indígenas e comunidades locais afetados.

Em outro exemplo, no Chile, o Povo Indígena El Conchi Viejo – que ajuizou em 2022 uma ação contra a mina de cobre El Abra (uma joint venture entre Freeport-McMoran e CODELCO) por danos ao meio ambiente e ao seu patrimônio cultural – entrou com uma ação pedindo proteção em 2023 e conseguiu impedir a empresa de realizar novas obras em suas terras.

Diálogo Chino

Talvez o mais surpreendente seja o fato de a Corte Interamericana de Direitos Humanos ter estabelecido, em uma decisão histórica de 2023 relativa à mina de níquel Fenix ​​(El Estor) na Guatemala, que os direitos à proteção judicial e à propriedade coletiva segundo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos tinham sido violados como resultado de licenças para mineração concedidas sem o CLPI dos Povos Indígenas afetados. O Tribunal ordenou que a Guatemala reconhecesse os direitos de propriedade dos Povos Indígenas Q’eqchi. O Solway Group, proprietário da mina, afirmou que aceita a decisão da Corte.

América do Norte

Os casos de litígio da transição justa também estão disseminados na América do Norte, com os Estados Unidos respondendo por 15% das ações incluídas na Ferramenta de Rastreamento, com foco em violações nos setores de exploração de minerais de transição e energia eólica. Essas também se concentram principalmente no direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável, mas, além disso, mais de metade são violações dos direitos dos Povos Indígenas, muitas vezes relacionados à terra. Por exemplo, a organização Apache Stronghold entrou com uma ação para impedir a transferência de terras da área sagrada de Oak Flat, na Floresta Nacional de Tonto, para a Resolution Copper (uma joint venture entre BHP e Rio Tinto). Eles argumentaram que Oak Flat é vital para sua identidade religiosa e cultural. Um Tribunal de Justiça dos Estados Unidos permitiu a troca de terras, afirmando que ela não sobrecarregaria significativamente as práticas religiosas dos Apaches, mas a Apache Stronghold disse que recorrerá à Suprema Corte.

África, Ásia-Pacífico e Europa

Na África – representando 8% das ações rastreadas – foram iniciados processos judiciais tanto por Povos Indígenas como por outras comunidades locais. As violações dos direitos à terra e os impactos sobre os meios de subsistência são os principais abusos nesses casos. Projetos de mineração na República Democrática do Congo, em Gana e em Zâmbia representam mais da metade das ações incluídas na Ferramenta de Rastreamento, seguidos por parques eólicos no Quênia. Entre esses casos está uma ação movida por comunidades de Marsabit, no Quênia, contra a Gitson Energy, devido ao seu projeto de parque eólico de Bubisa. Elas afirmam que não foram envolvidas no processo de atribuição de terras nos termos da lei. Em 2017, o Tribunal de Justiça julgou um recurso da Gitson Energy e manteve a decisão de primeira instância: o Comissário de Terras não tinha poderes para demarcar os terrenos contestados, e o projeto deveria ser interrompido.

Na região da Ásia-Pacífico (8% dos casos na Ferramenta de Rastreamento), a mineração é o principal setor em termos de alegações de abuso. A maioria das ações judiciais foi movida nos últimos quatro anos por Povos Indígenas e comunidades locais, todas relacionadas ao impacto negativo dos projetos de transição justa sobre seus meios de subsistência. Uma ação coletiva movida por mais de 3.000 residentes de Bougainville, uma região autônoma da Papua-Nova Guiné, alega que a mina de cobre de Panguna causou danos ambientais e sociais. Os requerentes argumentam que a mina – que fechou em 1989 – comprometeu seu acesso seguro a alimentos, água doce e habitats naturais e destruiu sua subsistência tradicional baseada na agricultura e na pesca, deixando-os sem meios de vida sustentáveis.

Na Europa (8% dos casos), as ações judiciais dizem respeito aos quatro setores abrangidos pela Ferramenta de Rastreamento. A maioria foi movida por comunidades locais afetadas pelos projetos em questão e/ou por ONGs, com apenas uma delas sendo ajuizada por Povos Indígenas (a ação judicial do parque eólico Fosen Vind, movida pelo Povo Sámi, na Noruega). Todas as ações rastreadas nessa região se referem a consultas insuficientes/inadequadas sobre um determinado projeto. Os casos também dizem respeito a alegações de violação do direito das comunidades a seus meios de subsistência, ao acesso à água e a um ambiente saudável. No Kosovo, ONG locais pediram a anulação das licenças para o uso da água pela hidrelétrica de Brezovica, operada pela KelKos. Elas afirmaram que a usina tinha causado danos ao ecossistema e provocado escassez de água para os residentes, e que elas não foram envolvidas nos debates públicos sobre o projeto. A Suprema Corte foi receptiva aos argumentos das ONGs locais e suspendeu a licença de uso da água.

Análise de reparação: consequências cada vez maiores para as empresas e seus investidores

As empresas acusadas de violar os direitos dos Povos Indígenas, de outras comunidades locais e dos trabalhadores ao longo da cadeia de valor das energias renováveis ​​enfrentaram consequências dispendiosas.

As pesquisas iniciais revelam que entre essas consequências estão multas, indenizações pesadas e ordens judiciais para estabelecer fundos de reserva destinados e cobrir danos. Mas talvez o mais importante seja que, entre as 60 ações atualmente incluídas na Ferramenta de Rastreamento, 78% buscavam ou buscam suspender de forma permanente ou temporária o projeto em questão como consequência de supostos abusos dos direitos humanos. Como exemplo importante, cerca de 32 ações constantes da Ferramenta de Rastreamento dizem respeito a consultas insuficientes ou inadequadas; e em 16 dessas ações, a justiça ordenou a suspensão dos projetos ou a revogação das licenças. No caso do parque eólico Gunaa Sicarú, no México, envolvendo a empresa francesa EDF, por exemplo, a resistência permanente da comunidade e uma decisão judicial puseram fim ao projeto, com as comunidades acusaram a EDF de dividi-las e de não aceitar o processo de consulta realizado pelas autoridades.

Apenas nos últimos oito anos, outras decisões importantes proferidas em todo o mundo tiveram o impacto de suspender operações de forma permanente ou temporária:

Ao mesmo tempo, depois de o projeto ter sido desenvolvido e estar operando, os danos podem já ter ocorrido e a reparação eficaz para as comunidades afetadas pode se revelar difícil. No caso do Parque Eólico do Lago Turkana, no Quênia, o Tribunal Ambiental e Territorial decidiu que “a única reparação eficaz seria uma ordem de demolição ou remoção”. O projeto está operando atualmente, mas os questionamentos jurídicos estão em tramitação e devem durar vários anos, aumentando a incerteza para os detentores de direitos, a empresa e os seus investidores.

Neste contexto, os Conselhos de Administração e a liderança executiva em toda a cadeia de valor das energias renováveis ​​estarão bem-posicionados para reavaliar o risco de qualquer abordagem que mantenha a extração de minerais ou a geração de energias novas em sua forma atual. A pesquisa demonstra que essas decisões têm importantes implicações financeiras, com um estudo sobre questões de posse no Sudeste Asiático entre 2001 e 2017 demonstrando que três quartos (74%) das disputas estudadas duraram mais de seis anos e uma parte considerável incluiu ações judiciais. Da mesma forma, no Quênia, um país pioneiro na implementação de projetos de energias renováveis, o projeto Kinangop, de 60,8 megawatts, foi cancelado no início de 2016, após uma ação judicial relativa a queixas sobre o processo de compensação fundiária e à oposição generalizada da comunidade ao projeto, resultando em uma perda de 66 milhões de dólares para os investidores.

Este é um risco crescente, tanto para o setor privado quanto para um elemento central da transição global às energias renováveis: a velocidade. Embora a Ferramenta de Rastreamento inclua processos iniciados já em 2011, 73% das ações que rastreamos foram ajuizadas desde 2018, demonstrando que esse risco está aumentando com a própria expansão das energias renováveis. Uma abordagem de negócios relacionada à transição energética mais centrada nos direitos – respeitando os direitos ambientais, realizando processos de consulta completos e adequados, cumprindo aos princípios do CLPI, entre outros – pode proporcionar uma poderosa proteção contra esse risco cada vez maior.

Matyas Rehak, Shutterstock (licensed)

Olhando para o futuro

As ações judiciais relacionadas à transição justa são iniciativas de vanguarda, e as comunidades e os advogados que as promovem também contam com argumentos jurídicos inovadores para garantir que a transição seja não apenas rápida, mas também justa.

Direitos da Natureza

Os Direitos da Natureza são um marco jurídico que concede direitos legais a ecossistemas e entidades naturais. Essa abordagem ecocêntrica reconhece a Natureza como sujeito de direito, permitindo que indivíduos e comunidades atuem como guardiões legais ou representantes de elementos naturais, como rios, florestas e montanhas.

O Equador abriu o caminho em 2008, ao se tornar o primeiro país a consagrar os Direitos da Natureza na Constituição. A constituição equatoriana se refere à “Pachamama” (Mãe Terra) como uma entidade legal e afirma o direito de respeitar e apoiar a existência, os ciclos de vida, as funções e a restauração da Natureza.

Na Ferramenta de Rastreamento, cinco ações ajuizadas na América Latina tratam dos Direitos da Natureza, incluindo o caso Llumiragua, no Equador. Os requerentes pediram ao governo a cessação das atividades de mineração da Empresa Nacional Minera E.P., devido à contaminação das cataratas Las Gemelas. Um tribunal revogou a licença com base na violação dos Direitos da Natureza e na falta de consulta às comunidades afetadas. Os Direitos da Natureza também foram reconhecidos em outros países, como Índia (decisão judicial), Estados Unidos (leis locais) e Nova Zelândia (lei). Seu uso e sua eficácia na esfera do litígio de transição justa é uma questão que se desenvolve rapidamente, a ser observada.

Compartilhamento de benefícios

Também parecem aumentar as demandas por modelos de negócios alternativos ao atual, baseados no compartilhamento de benefícios e na copropriedade com os detentores de direitos afetados. Esses casos parecem colocar em questão a premissa fundamental do envolvimento típico do setor privado nesses projetos: a primazia do retorno aos acionistas em detrimento de quase todo o restante. Os Povos Indígenas, em particular, estão buscando mais propriedade e controle desses projetos para determinar como a transição irá evoluir e conseguir ter voz no uso dos recursos naturais encontrados em suas terras. Existem algumas ações referentes ao compartilhamento de benefícios na Ferramenta de Rastreamento e, à medida que esse conceito se desenvolve, poderemos ver mais casos em que os requerentes procuram esse tipo de reparação.

Em 2021, a Suprema Corte da Noruega decidiu que as licenças emitidas para construir e operar dois parques eólicos eram nulas, dizendo que os projetos haviam invadido as pastagens do povo Sámi e violariam seu direito de desfrutar de sua própria cultura, garantido pelo Artigo 27 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Em dezembro de 2023 e março de 2024, a Noruega e os Sámi chegaram a um acordo que permite a esse povo se envolver mais e se beneficiar do projeto. Isso inclui um direito de veto sobre quaisquer planos de prorrogação das licenças de operação do parque eólico após 2045. Eles também recebem mais pastagens e parte da energia produzida pelo parque eólico para fins locais.

Na ação da Shengli Energy (Taiwan), onde os Povos Indígenas Katatipul argumentam que a consulta foi inadequada, o Conselho dos Povos Indígenas promulgou o Regulamento da Consulta para Obter a Participação e o Consentimento das Tribos Indígenas, que visa regular a implementação dos direitos desses povos a consulta e consentimento. Esse texto faz uma clara referência à inclusão do “mecanismo de participação ou gestão conjunta e compartilhamento de benefícios aprovado pela assembleia tribal no contrato administrativo”.

Modelos de prosperidade compartilhada e liderança dos Povos Indígenas para uma transição justa

Como é uma transição justa para os Povos Indígenas? Explore os recursos e leia a declaração de seus 87 representantes na Conferência sobre os Povos Indígenas e Transição Justa

À medida que avança a defesa de uma transição justa baseada na prosperidade compartilhada, essas ações podem se tornar mais frequentes. Uma indicação disso é que, em 2024, 87 representantes de Povos Indígenas de 35 países de todo o mundo se reuniram para redigir uma Declaração poderosa estabelecendo princípios fundamentais que “reconhecem e apoiam a necessidade de acabar com a dependência em relação aos combustíveis fósseis e mudar para energias renováveis ​​como fundamental no enfrentamento da crise climática”, mas também “defendem uma transição energética que garanta os direitos humanos, a equidade social, a integridade cultural, a inclusão e a participação plena e eficaz, e a prosperidade compartilhada dos Povos Indígenas…”. Olhando para o futuro, os Povos Indígenas e outras comunidades locais podem cada vez mais exigir que a transição às energias renováveis ​​não só evite a violação dos seus direitos, mas também proporcione oportunidades reais para que eles se beneficiem da imensa transformação que o mundo exige com tanta urgência.

Mais recursos

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Princípios de transição energética justa para os direitos humanos em empresas e investimentos

Uma transição justa para a energia limpa deve centrar-se em três princípios fundamentais: prosperidade compartilhada, direitos humanos e proteção social, e negociações justas.

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Autores e pesquisadores:

  • Business & Human Rights Resource Centre: Elodie Aba, Michael Clements, Belle Benckendorff, Alexandra Glarner, Yutaro Ito, Elena Macomber
  • Friedrich-Alexander-Universität Erlangen-Nürnberg (FAU) Human Rights and Business Clinic: Coordenadores de projeto e pesquisadores em nível de doutorado: Bruna Singh e Stephanie Regalia. Mestrandos: Jessica Ewing, Puru Malhotra, Sven Tim Adanguidi, Lama Ghandour, Nasim Moslehi, Rebecca Gueiros Batista da Silva e Mishelle Calle Sanchez.

Agradecimentos

  • Aintzane Márquez, SOMO